Picasso nunca tinha feito ninguém
posar para ele desde os dezesseis anos de idade, estava com vinte e
quatro e Gertrude Stein nunca tinha pensado em ter seu retrato pintado, e
nenhum deles dois sabe como a coisa aconteceu. De qualquer forma
aconteceu e ela posou para ele para esse retrato noventa vezes e muita
coisa aconteceu nesse meio-tempo.
***
Picasso e Fernande [Olivier] foram jantar, Picasso nessa época era o que minha querida amiga e colega de escola, Nellie Jacot, chamava de um engraxate bonito. Ele era magro moreno, vivo com grandes olhos de poças e violento mas não de um modo áspero. Estava sentado ao lado de Gertrude Stein e ela pegou um pedaço de pão. Isto, disse Picasso arrancando o pão com violência, este pedaço de pão é meu. Ela riu e ele fez um ar de submisso. Foi o começo da intimidade deles.
***
Então
aconteceu a primeira pose. O ateliê de Picasso eu já descrevi. Nessa
época havia ainda mais desordem, mais entra e sai, mais fogo vivo na
estufa, mais comida e mais interrupções. Havia a grande poltrona de braços
quebrada em que Gertrude Stein posou. Havia um sofá onde todo mundo
sentava e dormia. Havia uma cadeirinha de cozinha em que Picasso sentava
para pintar, havia um grande cavalete e havia muitas telas grandes. Era
o auge do final da fase arlequim quando as telas eram enormes, as
figuras também, e os grupos.
***
Fernande estava como sempre, muito grande, muito bonita e muito
graciosa. Ela se ofereceu para ler em voz alta as histórias de La
Fontaine para divertir Gertrude Stein enquanto Gertrude Stein posava.
Ela assumiu a pose, Picasso sentou muito ereto em sua cadeira e muito
perto da tela, com uma palheta muito pequena que era de uma cor marrom
acizentada uniforme, misturou mais um pouco de marrom acizentado e a
pintura começou. Foi a primeira de umas oitenta ou noventa poses.
STEIN, Gertrude. A Autobiografia de Alice B. Toklas. São Paulo: Cosac Naify, 2009. Tradução de José Rubens Siqueira.
*Tela de Pablo Picasso, 1906.
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