22.9.09

Rua Real Grandeza



ah vale a pena ser poeta
escutar você torcer de volta a chave
na fechadura da porta
abra volte veja
sou um cara sem saída
mas não se iluda com esta minha vida
toda vez que avisto sua figura leviana
no pórtico do quarto
penso em dar um corte em quem me embroma
sou forte abra volte
veja se me entende e me ama
desde o berço conservo o mesmo endereço
moro na rua real grandeza
abra, abra a porta
volte e veja
você não me engana
sozinho sem amor sem carinho
não digo com certeza
mas posso me arruinar
veja
jatos de sangue
espetáculos de beleza
ah vale a pena ser poeta
escutar você torcer de volta
a chave na fechadura da porta


SALOMÃO, Waly. Gigolô de Bibelôs. São Paulo: Brasiliense, 1983. Musicado por Jards Macalé.


5.9.09

Soneto do gato morto



Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade

De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.

Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e a morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto

Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.



Florença, 1963

MORAES, Vinicius de. Nova antologia poética. Org. Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.