27.4.18

A montanha mágica - p. 627



Era capaz de ficar sentado com o relógio na mão — relógio de algibeira, chato, liso, de ouro fino, e a tampa, com o monograma gravado, aberta. Contemplava então o mostrador redondo, de porcelana, rodeado por uma dupla fileira de cifras árabes, pretas e vermelhas, e em cima do qual os dois ponteiros de ouro, enfeitados de suntuosos arabescos, apontavam em diferentes direções, enquanto o delgado ponteiro dos segundos, tiquetaqueando, dava pressurosas voltas à sua areazinha especial. Hans Castorp fixava-o, como para deter e esticar alguns minutos, na intenção de agarrar o tempo pela cauda. O minúsculo ponteiro saltitava pelo seu caminho, sem se importar com as cifras que alcançava, percorria, ultrapassava, deixava para trás, lá longe, voltava a demandar e alcançava de novo. Era insensível a objetivos, divisões e marcos. Deveria demorar-se por um instante no 60 ou pelo menos dar um pequeno sinal de que alguma coisa terminava ali. Mas, pelo jeito como passava por cima desse ponto assim como por qualquer outra risca não marcada, reconhecia-se que toda essa marcação e subdivisão do seu caminho eram apenas acessórias, e que o ponteiro se limitava a caminhar, a caminhar para frente... Diante dessa percepção, Hans Castorp tornava a abrigar o cronômetro no bolsinho do colete e abandonava o tempo à sua própria sorte.


MANN, Thomas. A montanha mágica. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. Tradução Herbert Caro.

26.4.18

Kant (relido)



Duas coisas admiro: a dura lei
cobrindo-me
e o estrelado céu
dentro de mim.


In FONTELA, Orides. Poesia completa. São Paulo: Hedra, 2015.