28.6.12

Notas de um pintor (excerto)



Se numa tela branca espalho sensações de azul, verde, vermelho, à medida que vou acrescentando pinceladas as anteriores perdem sua importância. Vou pintar um interior: tenho em frente um armário, ele me dá uma sensação de vermelho bem vivo, e ponho um vermelho que me satisfaz. Estabelece-se uma relação entre esse vermelho e o branco da tela. Digamos que eu ponha ao lado um verde, que eu use um amarelo para o assoalho, e ainda haverá entre esse verde ou esse amarelo e o branco da tela relações que me satisfarão. Mas esses diferentes tons se diminuem mutuamente. É preciso que os diversos signos que emprego sejam equilibrados de tal maneira que não se destruam uns aos outros. Para isso, devo pôr ordem em minhas idéias: a relação entre as cores se estabelecerá de tal maneira que irá sustentá-las em vez de derrubá-las. Uma nova combinação cromática se seguirá à primeira e dará a totalidade da minha representação. Sou obrigado a inverter, e por isso parece que meu quadro mudou totalmente quando, após sucessivas alterações, o vermelho substituiu o verde como dominante. Não me é possível combinar servilmente a natureza, a qual sou forçado a interpretar e submeter ao espírito do quadro. Sendo encontradas todas as minhas relações de tons, deve resultar um acorde cromático vivo, uma harmonia análoga à de uma composição musical.


MATISSE, Henri. Escritos e reflexões sobre arte: Henri Matisse. São Paulo: Cosac & Naify, 2007. Tradução de Denise Bottmann.


27.6.12

Sometimes with one I love / Às vezes com quem eu amo



Sometimes with one I love, I fill myself with rage, for fear I effuse unreturn’d love;
But now I think there is no unreturn’d love — the pay is certain, one way or another;
(I loved a certain person ardently, and my love was not return’d;
Yet out of that, I have written these songs.)


Às vezes com que eu amo 
fico com raiva e reclamo 
pensando não ter retorno 
o amor sem fim que entorno 

No entanto sempre retorna 
desta ou daquela forma 
o amor que a gente derrama 
quando é verdade que ama

Amei com paixão alguém 
e perdi as ilusões 
mas hoje esse amor revém 
e dele é que faço canções


WHITMAN, Walt. Sometimes with one I love.

Tradução de Antonio Cicero. In: Olhos felizes. Marina Lima. Ariola: 1980. LP


25.6.12

Com o fogo não se brinca



Com o fogo não se brinca
porque o fogo queima
com o fogo que arde sem se ver
ainda se deve brincar menos
do que com o fogo com fumo
porque o fogo que arde sem se ver
é um fogo que queima
muito
e como queima muito
custa mais
a apagar
do que o fogo com fumo


LOPES, Adília. Antologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.


21.6.12

Que é poesia?



Que é poesia?
______O que a distingue de verso mau ou da prosa útil é o seu estado de permanência. Ela monumentaliza a linguagem fixando paixões, comandos, catástrofes e paraísos de um modo imperecível. O poema é o monumento da língua que o produz.


ANDRADE, Oswald de. A alegria é a prova dos nove. São Paulo: Editora Globo, 2011.


15.6.12

Os cegos (excerto)




ÉDIPO
Mas então de que valem os deuses?

TIRÉSIAS
O mundo é mais antigo do que eles. Já enchia o espaço e sangrava, gozava, era o único deus - quando o tempo ainda não havia nascido. Reinavam então as próprias coisas. Aconteciam coisas - agora, através dos deuses, tudo é feito palavra, ilusão, ameaça. Mas os deuses podem alterá-las, aproximá-las ou afastá-las. Podem igualmente não tocar, não mudar as coisas. Chegaram tarde demais.

ÉDIPO
E logo você, um sacerdote, diz isso?

TIRÉSIAS
Se não soubesse nem isso, não seria sacerdote. Observe um rapaz que toma banho no Asopo. Manhã de verão. O rapaz sai da água, torna a entrar, mergulha e volta a mergulhar. Passa mal e se afoga. O que têm os deuses a ver com isso? Deverá atribuir o seu fim aos deuses ou então ao prazer desfrutado? Nem uma coisa nem outra. Aconteceu algo - que não é bom nem mau, alguma coisa que não tem nome -, depois os deuses lhe darão um nome.

ÉDIPO
E dar nomes, explicar as coisas, parece-lhe pouco, Tirésias?

TIRÉSIAS
Você é jovem, Édipo, e como os deuses que são jovens, você mesmo torna claras as coisas e dá nome a elas. Ainda não sabe que embaixo da terra existem rochas e que o céu mais azul é o mais vazio.


PAVESE, Cesare. Diálogos com Leucó. São Paulo: Cosac Naify, 2011. Tradução de Nilson Moulin.


14.6.12

Soneto do amor total



Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Rio, 1951

MORAES, Vinicius de. Nova antologia poética. Org. Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 


4.6.12

O fronte estrelado





O FRONTE ESTRELADO


Sob as palavras o papel se transforma
em mar e as letras em peixes.



EL FRONT ESTELAT


Darrere els mots el paper es transforma
en mar i les lletres en peixos.




BROSSA, Joan. Poesia vista. São Paulo: Amauta Editorial, 2005. Tradução de Vanderley Mendonça.


3.6.12

Poema visual 1971/82





BROSSA, Joan. Poesia vista. São Paulo: Amauta Editorial, 2005.