11.1.16

Uma arte / One art



A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.


The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last,
or next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


BISHOP, Elizabeth. Poemas escolhidos / Elizabeth Bishop. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Seleção, tradução e textos de Paulo Henriques Britto.


8.1.16

Orelhas (4)



Eu te digo que é preciso não morrer no poema;
que é preciso amar e não parar o pulso de amar
no poema; que é preciso não perder no poema
o amigo; que é preciso não temer dormir só
e nu sob os relâmpagos que estendem
seus galhos sobre o papel em que; é preciso
não mentir, e saber dizer nunca mais, porque
às vezes é preciso; deixar que o inimigo
descanse em paz aqui enquanto queimamos
a noite à procura de pão justiça e edifícios
impossíveis lábios que parecem guardar
a água exata do nosso nome ali onde;
eu te digo que é preciso aceitar o verso ruim
dar a outra face ao silêncio do poema no poema
e ver partir sem pena os verbos que sagrados
só se digam sob o teto de jamais os pronunciarmos;
é preciso deixar que no poema venha quebrar
a maré rasa das palavras ultrajadas repetidas
repisadas nos jornais nos livros nos mercados
apanhadas com o coração na boca e o engano
dos sentidos e do espírito entre os dentes; palavras
tantas vezes obras que pobres não valem a tinta
de novamente serem ditas; dizê-las, no poema;
eu te digo que é preciso perdoá-las.


FERRAZ, Eucanaã. Escuta. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.