10.6.13

Se ouve ainda o mar



Há muitas noites se ouve ainda o mar,
em ligeiro vaivém, pelas areias finas.
Eco de uma voz fechada no pensamento
que provém de tempos; e também este
lamento assíduo das gaivotas: talvez
de pássaros das torres, que o abril
instiga em direção à planície. Já
me estavas vizinha com aquela voz;
e eu gostaria que também a ti chegasse,
agora, meu, um eco de memória,
semelhante a esse murmúrio de mar.


QUASIMODO, Salvatore. Poesias escolhidas. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1968. Tradução de Sílvio Castro.


4.6.13

Nuvens I



Não haverá uma só coisa que não seja
uma nuvem. São nuvens as catedrais
de vasta pedra e bíblicos cristais
que o tempo aplanará. São nuvens a Odisséia
que muda como o mar. Algo há distinto
cada vez que a abrimos. O reflexo
de tua cara já é outro no espelho
e o dia é um duvidoso labirinto.
Somos os que se vão. A numerosa
nuvem que se desfaz no poente
é nossa imagem. Incessantemente
a rosa se converte noutra rosa.
És nuvem, és mar, és olvido.
És também o que já está perdido.


BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Buenos Aires: Emecé Editores, 1989. Tradução de Antonio Cicero.