15.6.12

Os cegos (excerto)




ÉDIPO
Mas então de que valem os deuses?

TIRÉSIAS
O mundo é mais antigo do que eles. Já enchia o espaço e sangrava, gozava, era o único deus - quando o tempo ainda não havia nascido. Reinavam então as próprias coisas. Aconteciam coisas - agora, através dos deuses, tudo é feito palavra, ilusão, ameaça. Mas os deuses podem alterá-las, aproximá-las ou afastá-las. Podem igualmente não tocar, não mudar as coisas. Chegaram tarde demais.

ÉDIPO
E logo você, um sacerdote, diz isso?

TIRÉSIAS
Se não soubesse nem isso, não seria sacerdote. Observe um rapaz que toma banho no Asopo. Manhã de verão. O rapaz sai da água, torna a entrar, mergulha e volta a mergulhar. Passa mal e se afoga. O que têm os deuses a ver com isso? Deverá atribuir o seu fim aos deuses ou então ao prazer desfrutado? Nem uma coisa nem outra. Aconteceu algo - que não é bom nem mau, alguma coisa que não tem nome -, depois os deuses lhe darão um nome.

ÉDIPO
E dar nomes, explicar as coisas, parece-lhe pouco, Tirésias?

TIRÉSIAS
Você é jovem, Édipo, e como os deuses que são jovens, você mesmo torna claras as coisas e dá nome a elas. Ainda não sabe que embaixo da terra existem rochas e que o céu mais azul é o mais vazio.


PAVESE, Cesare. Diálogos com Leucó. São Paulo: Cosac Naify, 2011. Tradução de Nilson Moulin.


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