Esta noite eu não vim vencer teu corpo, harpia,
Vórtice do pecado, ou cevar no desejo
Dos teus cabelos vis um lívido lampejo,
Sob o tédio sem fim que o beijo prenuncia.
Só demando ao teu leito o sono em que te estiras,
Sob as cortinas do remorso reclinada,
E que podes gozar após tantas mentiras,
Tu que ainda sabes mais que os mortos sobre o nada.
Pois o Vício a roer minha nata nobreza
A ti e a mim marcou-nos de esterilidade,
Mas se teu seio tem tão pétrea natureza
No coração que dente algum de crime o invade,
Eu fujo em meus lençóis, hirto, sem cor, sem voz,
Com medo de morrer quando me deito a sós.
MALLARMÉ, Stéphane. Angústia. In: CAMPOS, Augusto de. Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.
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