8.1.16

Orelhas (4)



Eu te digo que é preciso não morrer no poema;
que é preciso amar e não parar o pulso de amar
no poema; que é preciso não perder no poema
o amigo; que é preciso não temer dormir só
e nu sob os relâmpagos que estendem
seus galhos sobre o papel em que; é preciso
não mentir, e saber dizer nunca mais, porque
às vezes é preciso; deixar que o inimigo
descanse em paz aqui enquanto queimamos
a noite à procura de pão justiça e edifícios
impossíveis lábios que parecem guardar
a água exata do nosso nome ali onde;
eu te digo que é preciso aceitar o verso ruim
dar a outra face ao silêncio do poema no poema
e ver partir sem pena os verbos que sagrados
só se digam sob o teto de jamais os pronunciarmos;
é preciso deixar que no poema venha quebrar
a maré rasa das palavras ultrajadas repetidas
repisadas nos jornais nos livros nos mercados
apanhadas com o coração na boca e o engano
dos sentidos e do espírito entre os dentes; palavras
tantas vezes obras que pobres não valem a tinta
de novamente serem ditas; dizê-las, no poema;
eu te digo que é preciso perdoá-las.


FERRAZ, Eucanaã. Escuta. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.


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