Para onde vou, de onde vim?
Não sei se me acho ou me extravio.
Ariadne não fia o seu fio
à frente, mas atrás de mim.
Não será a saída um desvio
e o caminho o verdadeiro fim?
Não é hora de regressos
Não é hora
É certo que me perco em sombras
e que, isolado em minha ilha,
já não me atingem as notícias
dos jornais a falar de bolsas,
modas, cidades que soçobram,
crimes, imitações da vida
ou da morte televisiva,
quadrilhas, teias penelópicas
de horrores ou de maravilhas
que dia a dia se desfiam
e fiam sem princípio ou fim
novíssimas novas artísticas,
científicas, estatísticas...
E há na noite quente um jasmim.
É aqui, mais real que as notícias, na própria
matéria, na dobradura de uma folha
em que se refolha este meu coração
babilônico, na configuração
da mancha gráfica sobre a tessitura
do papel tensionado, ou onde se apura
o lusco-fusco produzido por linhas
e entrelinhas, entre o preto e o branco e o cinza,
onde cada ideia, cada ponto e vírgula
dos trabalhos e das noites se confunde
com miríades de pontos de retícula
e meios-tons de clichês, entre o passado
que jamais está passado e alguns volumes,
linhas e planos apenas esboçados,
que súbito os elementos mais dispersos
se articulam, claro-escuro filme negro,
entre a pura matemática, o acaso
e a arte (esta árvore já foi vestido
de mulher): onde meu delírio é mais preciso,
transparece o meu jornal imaginário.
Para onde vou, de onde vim?
Não sei se me acho ou me extravio.
Ariadne não fia o seu fio
à frente, mas atrás de mim.
Não será a saída um desvio
E o caminho o verdadeiro fim?
CICERO, Antonio. Livro de Sombras - Pintura, Cinema, Poesia. Rio de Janeiro: +2 Editora, 2010.
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