27.10.13

Ricardo



Vive tu, meu menino, os belos anos
Junto dos teus, na doce companhia
Do que há de melhor em corações humanos,
E faze deste dia eterno dia.


ASSIS, Machado de. Ricardo. In: CALCANHOTTO, Adriana (Org.). Antologia Ilustrada da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.


19.10.13

Canções para uma cantora de cor (excerto)



III
Nana neném.
Criança e adulto
dormem fundo.
No mar, o navio ferido naufraga,
cheio de chumbo.

Nana neném.
Países brigam,
países morrem.
A sombra do berço traça na parede
uma gaiola enorme.

Nana neném.
Dorme que a guerra acaba
e o sono continua.
Larga esse brinquedo bobo
e pega a lua.

Nana neném.
Se alguém disser
que criança não tem siso,
não liga pra eles não, que isso de siso
não é preciso.

Nana neném.
Criança e adulto
dormem fundo.
No mar, o navio ferido naufraga,
cheio de chumbo.


BISHOP, Elizabeth. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos de Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das letras, 2012. 


14.10.13

Sobre o pobre B. B.



Eu, Bertolt Brecht, sou das florestas negras.
Minha mãe me trouxe para as cidades
Dentro do ventre. E o frio das florestas
Estará comigo ao me cobrir a laje.

Na cidade de asfalto estou em casa e a caráter,
Com todos os últimos sacramentos
Ministrados: jornais, tabaco, conhaque:
Desconfiado, indolente e enfim satisfeito.

Sou amável com os outros. E visto
Meu chapéu-coco, como todo o mundo.
Digo: são bichos de cheiro esquisito
E digo: e daí? Também sou, no fundo.

Às vezes, nas cadeiras de balanço,
Coloco algumas moças, de manhã,
E digo: em mim vocês têm, eu garanto,
Alguém em quem não podem confiar.

À tarde me reúno com colegas.
Tratamo-nos de “gentleman”, então.
Eles dizem, com os pés à minha mesa:
As coisas vão melhorar. E não pergunto: quando.

Na madrugada cinza, abetos mijam
E piam os pássaros, que são seus vermes.
Na cidade, meu copo se esvazia,
Largo o charuto e durmo um sono leve.

Assentamo-nos, uma geração leviana,
Em prédios que quiséramos indestrutíveis
(Assim construímos os arranha-céus da ilha de Manhattan
E as finas antenas sobre o Atlântico a nos divertirem).

Destas cidades ficará quem as atravessou, o vento!
A casa faz feliz quem nela come: quem a esvazia.
Sabemos sermos efêmeros
E que depois de nós o que virá será sem valia.

Nos terremotos vindouros, que não seja meu fado
Deixar por amargura o meu Virginia se apagar,
Eu, Bertolt Brecht, largado nas cidades de asfalto,
Oriundo das florestas negras, no ventre da mãe, tempos atrás.


Vom armen B.B., de Bertolt Brecht. Tradução de Antonio Cicero.